Triste e Inesperada Notícia - Morte da minha amada Avó (in Ana Isabel 1)

Paisagem natural da Ilha Formosa - chão da minha avó


           Ontem, Domingo, foi um dia, como de costume, tão aguardado por mim, por considerá-lo especial, numa outra ótica como todos os dias que o Senhor fez. 
Para quem não sabe, deixei a Guiné-Bissau no ano de 2008 no dia 3 de Fevereiro, com o intuito de prosseguir com estudos superiores no curso de Letras, cá no Brasil. Deixei para trás minha família, algo que também retrato no meu poema "Mesmo Deus e Único Jeová" publicado no site: www.cemabrasil.org; deixando para trás uma vida, uma família que ama-me tanto, uma cultura que me formou, uma nação que amo tanto, um povo tão sofrido para qual já lutava e ainda lido; deixei tudo a trás de sonhos, vim porque Deus determinou e permitiu, sendo aquela a minha hora certa de cá vir. 
Todos estavam alegres e contentes com a conquista, porém como custear esse sonho era o único agravante para uma família tão pobre e limitada em recursos financeiros como a minha. Que Deus estava a prover tudo para mim, lá e cá, minha mãe acreditava e eu, principalmente, seguia-a nesta crença. Minha avó era também uma das algumas que acreditavam no sucesso da porta que abrira para mim e não chorava pensando que não consegueria atender a carência, ela confiava em Deus e orava por mim. Muitas das minhas primas choravam lamentando a pobreza da nossa família sem trás nem frente, que vive sobrevivendo, que nada tinha para ajudar-me a pagar pelo meu visto ou passagem aérea com vista a viajar para o Brasil, onde me já encontro.
Dentre toda a angústia que o momento e a circunstância cuspiam sobre nós, principalmente eu, minha avó confiava que aquela era a minha temporada de partida para um país longínquo e diferente em quase tudo com o meu solo. Minha avó, no dia da minha despedida, uma noite escura e sem barulho, calma como a alma, chorava sua inesquecível petição acompanhada por uma melodia puramente africana-bijagó: "Otakaminhôn, Otagôs (alcunhas que usava para ninar e chamar-me)... ka bu bai, nha fidju, ka bu bai bu dixan. Si bu bai, na fika n' muri, bu ka na matin, nin bu ka na nteran..." o que na língua portuguesa significaria: "Otakaminhôn, Otagôs (ela usava as duas ao mesmo tempo), não te vás, meu filho, não te vás deixando-me para trás. Se fores, morrerei, tu não estarás presente no meu dia, nem poderás inumar-me (sepultar-me). 
Ser sepultado pelo teu filho, ou neto querido, como é meu caso, é algo importante demais para uma africana já na idade para lá das antigas. 
Tudo que minha avó previa, para mim era a avareza de não querer deixar-me sair de debaixo das suas asas, característica principal das verdadeiras avós. Porém ontem provei que, mais uma vez, enganei-me no terreno. Era real e verdadeira, afinal, as afirmações de que morreria a trás de mim, se eu tivesse a deixado para trás e seguir meu sonho. 
Queria conquistar, queria, no privilégio de ser - sem contar a minha mãe- o primeiro da família a ter um curso superior. Isso era um marco de orgulho e contentamento para toda a família, inclusive para ela, porém ela não queria largar a minha presença física, queria-me sempre por perto, para realizar tudo que sonhava. Entre estes sonhos que ela aguardava, o que mais que marca é: "n' misti son pa bu kunpran pon, tarbadja bu kunpran pon ku bu dinheru, asin n'ta pudi diskansa dritu..." que traduzido à LP significa "quero somente que compres-me pão, trabalhe e compre-me pão com teu próprio dinheiro, só isso, e assim poderei descansar direito..." - Minha avó, tinha-me como o mais querido dos seus netos. Era eu para ela a esperança da virada da situação da família que ela sacrificou até a velhice para construir, já que perdera seu marido num momento de muita dificuldade e necessidade. Eu também a amava muito, na verdade, era a pessoa que eu mais amava na família. 
Mas antes ontem, provavelmente, por desíginios divinos, creio eu, ela partiu silenciosa e calmamente, como a alma, como a visita da morte. E ontem, 26-09-2010, recebi um telefonema da minha mãe, ao atender o telemóvel, "celular" para quem é brasileiro, minha mãe começou a falar tentando saber onde é que estava, se em casa ou na igreja. Retorqui que não estava em nenhum dos lugares frisados por ela, mas que podia falar... ela disse-me que estava em Formosa, ao ouvir isso, gritei. Gritei porque meu coração já soube na hora e sentiu o que estava a acontecer. Isto porque minha vovó sempre dizia que queria ser inumada na sua terra natal, Ilha Formosa. Minha mãe, Rosa flor, inquiriu: o que foi? Nada falei a não ser, continua, mãezinha.
Mulheres Bijagós - etnia da minha avó

Demorrou, mas chegou, era a triste e ineperada notícia que continha o comunicado da morte da minha queridíssima vovó, Ana Isabel Barbosa, de, aproxidamente, 80 anos. Comecei a chorar com o telemóvel ao ouvido esquerdo, comecei a chorar, chorar a minha avó que querendo ou não jamais verei, pelo menos, terra. Minha mãe tentava consolar-me, assim como Filif e Marta, que estavam comigo, e os que estavam na casa da minha amiga e irmã em Cristo, Profa. Nadir.  

Por incrível que possa parecer, toda essa semana andei falando e pregando somente sobre a morte. Falava ou pregava outra coisa, mas o discurso voltava sempre para o assunto da morte. Ainda na Sexta-feira, preguei, para duas amigas, o Salmos 23. E no Sábado, comecei falando da mãe duma amiga minha, e de novo voltei a falar da morte (a morte do Saido); e durante a tarde estava em Boa Viagem, participando da Marcha para Jesus (o que não tem nada de Jesus - assunto que ainda publicaremos cá) só fiquei brincando com meus amigos sobre a morte... afinal a minha vovó morta já se encontrava. 

É grande demais a minha tristeza, demais a minha angústia, imenso o meu desgosto. Mas eu, como poeta e servo de Cristo, sei através das Escrituras que devo agradecer a Deus, porque Ele é o meu pastor, porque tudo posso em Cristo que fortalece-se.

Quem cantará para mim, quem dançará para mim no dia do meu casamento, meu Deus?
 Minha avó era em quem tinha depositado o meu orgulho de ser Oguané, nome do meu clã. Ela dizia, antes de eu sair de casa, que ela é quem iria cuidar, amar os meus rebentos, que ela iria cingir no seu colo um filho meu antes de partir, afinal a partida estava mais próxima do que imaginava. 

Mas Paulo podia dizer: ... abatidos, mas não destruídos... eu nisso também firmo-me. Só peço a Deus, meu Senhor e Rei, que olhe por mim e ajuda-me a suportar essa dor que atingiu-me lá na fundeza da minha alma. Essa perda é muito dolorosa porque a pessoa é assaz preciosa e relevante para minha vida. Minha vovó plantou e nada comeu, porque os frutos ainda estão e são verdes. Minha vovó nem comeu o pão que sempre almejara que eu compre-a com meu próprio dinheiro. Minha avó, querida e intacta pelo esquecimento, nem despediu-se de mim antes de fechar os olhos da alma, antes de partir para nunca mais voltar, minha amada Ana Isabel nem abençoou, nem passou suas mãos sobre a minha cabeça acariciando-me; ah que dor, ah que perda. 

Só peço, sinceramente, a Deus, muita força para suportar toda essa pressão da dor de perder uma pessoa que tanto amo. 

 
"...Saudações eternas, vovó
Estarás sempre comigo
No meu coração
Ana Isabel..."


Sob a graça de Cristo,

Delo Belo

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